quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Diplomacia e sua prática, preconceitos e realidades


De todas as excelentes citações que já ouvi sobre os diplomatas, a minha preferida é sem dúvida, a do jurista e diplomata japonês Komura Jutaro: “Um diplomata deve usar os seus ouvidos, não a sua boca.”

De uma sobriedade tipicamente oriental, esta frase é a elegante resposta desmistificadora à imagem exageradamente “glamour” da diplomacia. Estranhamente, os preconceitos sobre os supostos brilhos da diplomacia circulam mais que os fiéis retratos da sua prática. Logo, o espaço para conjecturas e suposições é enorme. Em consequência, no decorrer da sua carreira, um diplomata terá, de vez em quando, de educar a opinião pública: a diplomacia não se resume à mala diplomática e as imunidades…

Pode parecer uma situação espantosa considerando a herança intelectual antiga e rica desta disciplina até a sua mais recente codificação em 1961.

A necessidade de relações diplomáticas nasceu com a divisão dos grupos humanos em tribos, clãs, reinos e Estados. Documentos antigos atestam da existência de enviados especiais de um reino para um outro na Mesopotâmia, 3000 anos antes de Cristo, na China e na Índia, durante o mesmo período. Muito rapidamente, o ser humano constatou que a guerra era um meio muito limitado para resolver conflitos. O dialogo é sempre mais eficaz.

Graças aos escritos de Tucídides (A Guerra do Peloponeso), sabemos que durante a Antiguidade as cidades Gregas tinham elaborado um sistema multilateral de consultas. Sabemos igualmente que o Império Bizantino, militarmente desafiado, utilizou regularmente a sua rede de agentes diplomáticos como principal suporte do seu serviço de inteligência, recorrendo frequentemente aos assassinatos, para antecipar ou conter as jogadas dos seus adversários... Muito felizmente para nós diplomatas, esta faceta letal da diplomacia tornou-se obsoleta.

A diplomacia “moderna” nasceu na Itália Renascentista do século XV, época em que os Príncipes começaram a enviar os seus primeiros embaixadores residentes para as cidades com as quais desejavam estabelecer relações diplomáticas. O interesse era então essencialmente económico. Este período correspondeu ao aparecimento dos primeiros teoristas da diplomacia: Machiavelli, Guicciardini, Bárbaro, Gentilli, Grotius e Richelieu. Durante os séculos que seguiriam, o seu constante desenvolvimento permitiria o estabelecimento da paz de Westphalia e a nova ordem política na Europa central, caracterizada pelo conceito da soberania do Estado. No século XIX, o fim das guerras napoleónicas levou ao novo reordenamento político da Europa e permitiu a primeira codificação da prática diplomática, em particular em relação ao protocolo. Antes disso, a simples questão das precedências podia provocar duelos fatais entre embaixadores.

Paulatinamente, a diplomacia foi-se assim impondo como a ferramenta essencial para as relações entre os Estados. O diplomata de então era sobretudo um discreto e competente negociador.

A diplomacia conhece uma nova mutação com o trauma da Primeira Guerra Mundial e o presidente americano Woodrow Wilson, cuja escola de pensamento defende o fim da diplomacia secreta, injustamente acusada de ter permitido a advento da Grande Guerra. A Liga das Nações tentará ser o fórum dentro do qual se desenvolverá esta diplomacia, mais voluntária e democrática. Apesar do seu notável fracasso na prevenção da Segunda Guerra Mundial, a herança institucional da Liga das Nações para a diplomacia contemporânea é indubitável.

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, a Organização das Nações Unidas age assim com base numa Carta que não foi modificada desde sua adopção. Este período foi marcado pelo fim dos impérios coloniais, a explosão do multilateralismo, as Convenções de Viena sobre as relações diplomáticas (1961) e consulares (1963) e a Guerra Fria.

Depois do colapso da União Soviética, as relações internacionais tornaram-se mais complexas. Caracterizado pela aceleração dos meios de comunicação e de transportes, a interdependência acrescida entre os espaços nacionais, ou ainda a aparição de novos protagonistas (empresas multinacionais, ONG’s, agências de imprensa, Internet), o mundo globalizado tem levado à lenta mas segura diluição das fronteiras e à consequente redução da capacidade do Estado em intervir sobre assuntos que doravante transcendem a sua competência territorial exclusiva, das alterações climáticas à criminalidade transnacional. O fim da aparente soberania de Estado levaria à uma irrelevância da diplomacia?

Parece pouco provável. Enquanto houver relações entre grupos de pessoas e enquanto houver cidadãos a auxiliar, a diplomacia será sempre relevante. Mas tal como aconteceu nos séculos anteriores, em vez de desaparecer, ela mutará.

Hoje em dia, se a complexidade dos desafios obriga-nos a confiar cada vez mais em peritos, flexibilidade e polivalência continuam a ser qualidades decisivas para a concretização da política externa de qualquer país; a diplomacia tem justamente essas duas qualidades inscritas no seu ADN. Mas na era da informação, a mesma terá de ser mais reactiva, conectada e virada para o público, porque Internet e o cidadão global intensificaram o intercâmbio entre os diplomatas e a opinião pública.

Estas projecções permitem-nos identificar algumas características do perfil do diplomata do futuro: um funcionário bem treinado, intelectualmente aberto e curioso, tecnologicamente competente, socialmente responsável e de uma prontidão quase militar.

Aonde colocaríamos o diplomata angolano nesta paisagem?

Os primeiros diplomatas angolanos do século XX nasceram e cresceram durante a Guerra Fria. Aprenderam, na dor e com uma louvável dose de abnegação, a complexidade e a nobreza do ofício. Foram descobrindo o nível de responsabilidade que implica ser o canal de comunicação e o representante oficial do seu país. Estes primeiros diplomatas conseguiram onde ninguém teria apostado por eles. Como explicar esta realidade?

Se Angola é um país relativamente jovem , os seus diplomatas podem reivindicar uma herança antiga, da rainha N’Jinga Mbandi, astuta negociadora, aos nossos colegas cuja valiosa contribuição à marginalização internacional do Apartheid e independência da Namíbia é uma evidência. Entre 1976 e 1989, o Conselho de Segurança adoptou 18 resoluções contra o apartheid sul-africano com a participação activa de Angola .

Assim, se analisássemos as realizações da diplomacia angolana em consideração dos escassos meios à sua disposição, chegaríamos à conclusão que a mesma não merece todas as críticas de que é alvo, particularmente por parte do resto do sector público.

Mas uma tal análise não é fácil, pois vangloriar-se sobre os seus feitos é algo que um diplomata considera difícil de fazer. Pior, constitui uma falta profissional porque a sua eficiência reside na sua discrição.

Desde 2002, a diplomacia angolana entrou na sua fase mais consolidada e duradoura. Angola aparece como um protagonista decisivo na região e tem demonstrado uma capacidade de projecção surpreendente para um país que passou por 14 anos de guerra colonial e 27 anos de guerra civil. Se quisermos perpetuar esta evolução e pôr o país no lugar que ele merece, os diplomatas angolanos deverão ter plena consciência dos grandes desafios que os esperam e a capacidade para responder aos mesmos.

Mas se o indivíduo deve evoluir, a instituição deve acompanhar o movimento e cultivar o indivíduo. Este esforço permanente não é fácil e passa por uma aposta massiva, durável e incondicional na educação e formação. Para sermos eficazes na esfera internacional, devemos consolidar-nos dentro das nossas fronteiras. O que me leva a concluir que o primeiro desafio da diplomacia angolana é provavelmente... Angola.



Luís Saraiva de Carvalho.

O que é ser diplomata?


Para muitos um diplomata é um indivíduo especializado em relações internacionais, um indivíduo refinado, requintado, educado, cortês, e com um elevado nível de cultura geral, conhecedor dos grandes dossiers da política internacional e cuja opinião sobre os mesmos deve ser tida em conta.

Para muitos, o diplomata é um indivíduo que leva uma boa vida: viaja muito, provavelmente fica hospedado em bons hoteis, vai a restaurantes caros, é convidado para cocktails, exposições, recepções e outras mundanidades, está coberto por uma série de regalias, privilégios e imunidades, sobretudo quando está em posto no exterior (colocado numa Missão Diplomática ou Consular), enfim para muitos o diplomata é um privilegiado e tem uma rica vida!!

Parte do que acima descrevemos é verdade, mas a realidade tambem tem alguns aspectos menos conhecidos pelo senso comum e pela maioria das pessoas, incluíndo aquelas que diariamente lidam com diplomatas, sejam elas parentes ou colegas de outras instituições.

Diplomata é estar disponivel, podendo ser chamado ao serviço nos sábados, domingos, feriados e por vezes à noite. O diplomata tem hora para entrar mas pode não ter hora para sair. O diplomata pode viajar muito, ir a muitas cidades e delas conhecer apenas o aeroporto, o hotel, o local da reunião e o trajecto entre esses três pontos...por vezes não há tempo para turismo, passeios ou mesmo descanso.

O diplomata representa o Estado no exterior do pais, mas essa situação, inerente à carreira que abraçamos tem consequências do ponto de vista familiar. Vejamos, quando o diplomata tem um cônjuge, noivo(a), namorado(a), tem de pensar na sua cara metade. Isso é óbvio. Se essa cara metade estiver a trabalhar, como fazer? A carreira dele(a) fica emstand-by, de modo a que possa acompanhar o seu cônjuge diplomata? É um dos dilemas que se coloca ao diplomata e à sua familia. Esse dilema torna-se ainda mais crítico quando a diplomata é uma senhora. O marido, noivo, namorado vai aceitar acompanhá-la durante quatro anos pondo a sua carreira em stand-by, ficando lá sem trabalhar? Sim, porque é preciso que se saiba, de acordo com a Convenção de Viena, de 1961, sobre as Relações Diplomáticas (de que Angola é parte), por força das imunidades a que tem direito, os cônjuges e demais membros do agregado familiar dos diplomatas não devem exercer nenhuma actividade remunerada.

Importa igualmente referir que os privilégios e imunidades estipulados pela Convenção de Viena de 1961, nos seus artigos 29-36, implicam um elevado grau de responsabilidade e respeito pelas leis, normas e regulamentos do Estado acreditário (Estado onde se situa a Missão Diplomática ou Consular aonde o diplomata em questão exerce as suas funções).

Outra questão que muitos diplomatas se colocam concerne a dupla nacionalidade. Muitas pessoas, têm duas nacionalidades, ou por nascenca ou porque a algum momento das suas vidas, adquiriram-nas. Ao pretenderem tornar-se diplomatas, colocam-se inevitavelmente a questão: “tendo dupla nacionalidade, posso tornar-me diplomata?” Se sim “sob que condições?”

A questão da nacionalidade coloca-se igualmente no que diz respeito ao conjuge, noivo(a) ou namorado(a), caso não tenha a nacionalidade do Estado que o seu cônjuge, noivo (a), namorado (a) serve. O casal coloca-se inevitavelmente a questão: “podemos casar-nos sem consequências para a carreira do diplomata?”

Como vemos, ser diplomata não é sempre muito fácil, em qualquer parte do mundo. No caso de Angola, temos igualmente ter em conta diversos aspectos relacionados com a nossa conjuntura, com a nossa realidade, com a nossa cultura de trabalho e organizativa, com a organização e articulação do sistema burocrático da administração pública, e inevitavelmente com diversos interesses, que devem ser tidos em conta no momento da tomada de uma decisao ou da manifestacao de uma opiniao.

No entanto, muitas pessoas, mesmo depois de conhecerem igualmente as dificuldades e constrangimentos que se impõe aos diplomatas, continuam na carreira diplomática, e continuam a dar o melhor de si. Por que motivo? Meus caros diplomatas e leitores deste blog, além de se tratar de uma profissão interessantíssima, os diplomatas que se dedicam de facto à sua carreira, estão apaixonados por ela. Sim, porque só a paixão pode explicar elevados níveis de entrega face a tantas dificuldades e constrangimentos.

Eis o ingrediente essencial para a actividade diplomática dinâmica, rica, vibrante e enriquecedora: paixão.

O diplomata angolano deve ser um romântico que acredita que as coisas vão melhorar, que os conflitos vão ser resolvidos e que a sua entrega será recompensada por um benefício muito maior que qualquer dificuldade ou constrangimento, a honra e oprivilégio de servir... De servir o Estado angolano com honra, dedicação e abnegação, no melhor das suas capacidades intelectuais, para promover a imagem e bom nome do nosso país.

É por isso que somos diplomatas! Isso sim, é ser diplomata!


Aguinaldo Baptista