quinta-feira, 24 de março de 2011

Reflexão sobre o caso da Líbia - parte 3

6. Entre a responsabilidade de proteger e o princípio de não-ingerência

Sendo por demais conhecido o grau de liberdades que prevalece na Líbia, podemos considerar que ao se manifestarem aberta e veementemente contra o “Líder”, incluindo através de acções armadas e a tomada de cidades, todos sabemos que os insurgentes de Benghazi assumiram um risco muito elevado para as suas vidas, suas famílias e respectivos bens. Frequentemente, o Estado da Líbia é criticado por organizações internacionais, por desrespeito aos direitos do Homem e das liberdades fundamentais.

Desde o início da insurreição, diversas organizações internacionais entre as quais a União Africana, a Liga Árabe, a Conferência Islâmica, a União Europeia e as Nações Unidas manifestaram a sua preocupação relativamente à protecção dos civis, a eventuais casos de violação dos direitos do Homem e à eventual presença de mercenários que estariam a apoiar o exército líbio nas suas operações contra os insurgentes.

Caso a cidade de Benghazi fosse tomada pelo exército líbio, provavelmente seguir-se-ia uma forte repressão, que certamente atingiria indiscriminadamente os habitantes da cidade, por terem tomado parte activa ou passiva na insurgência.

Obviamente, a comunidade internacional, a União Africana, a Liga Árabe, a ONU e outras organizações internacionais ou Estados não poderiam assistir como espectadores à aplicação das medidas repressivas acima referidas, que seriam eventualmente constitutivas de crimes contra a humanidade.

Nesse tipo de casos, em que um Estado não cumpre com o seu papel de proteger as suas populações, a comunidade internacional deve agir (!) no quadro de uma responsabilidade colectiva: a responsabilidade de proteger.

A responsabilidade de proteger (utiliza-se igualmente RtoP ou R2P, em inglês) é um conceito ou norma internacional definida em muitos textos internacionais, nomeadamente, no Consenso de Ezulwini (2005) da União Africana, (http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:knfeO7BmdKYJ:www.africa-union.org/News_Events/Calendar_of_%2520Events/7th%2520extra%2520ordinary%2520session%2520ECL/Ext%2520EXCL2%2520VII%2520Report.doc+ezulwini+consensus&cd=1&hl=en&ct=clnk&gl=us&clien), nos parágrafos 138 e a39 do Documento Final da Cimeira Mundial de 2005 (http://www.who.int/hiv/universalaccess2010/worldsummit.pdf), ou ainda no Relatório da ONU intitulado “Implementando a Responsabilidade de Proteger”, de 2009 (http://globalr2p.org/pdf/SGR2PEng.pdf).

Concretamente o conceito da responsabilidade de proteger permite à comunidade internacional intervir num determinado país, mesmo sem o seu consentimento, para proteger populações civis. Considera-se que ao cometer ou permitir que os crimes de genocídio, crimes de guerra, purificação étnica e crimes contra a humanidade sejam cometidos contra as suas populações, o Estado não está a assumir as suas responsabilidades como soberano delegado, visto que o soberano original (o povo) é que está sem a protecção de que deveria beneficiar da parte das instituições às quais delegou a sua soberania. Nesse caso a comunidade internacional tem a responsabilidade de apoiar o referido Estado nessa tarefa. E obviamente, nesses casos, o Estado em causa não pode validamente invocar o respeito do princípio de não-ingerência.

No entanto podemos considerar que há respeito do princípio de não-ingerência quando os Presidentes Nicolas Sarkozy e Barack Obama, como o Primeiro-Ministro Gordon Brown informam ao “Líder” Kadhafi que ele tem de abandonar o poder. Não ficando pelas simples declarações a França e o Reino Unido prepararam um projecto de resolução que lhes permitisse justificar o que se iria seguir. Projecto esse que deixou pouco ou nenhum espaço à mediação ou ao diálogo e claramente privilegiou as acções militares.