quinta-feira, 24 de março de 2011

Reflexão sobre o caso da Líbia - parte 4 (fim)

Conforme explicamos, no “caso da Líbia”alguns países decidiram, em função de interesses distintos da simples protecção da população civil, retirar do poder o governante de um país estrangeiro. Para atingir esse objectivo, os líderes desses países usaram os importantes meios de comunicação com cobertura internacional de que dispõe os seus países.

Recordamos que num passado recente, os governantes desses países, plenamente informados e esclarecidos sobre o estado das liberdades e direitos do Homem na Líbia (que de lá pra cá pouco ou nada mudou), receberam ou foram recebidos por Muammar al-Kadhafi, no quadro do reforço das relações bilaterais entre a Líbia e os seus Estados.

Segundo a imprensa internacional (sobretudo ocidental) e Organizações Não-Governamentais (ONG’s, com as quais o Governo da Líbia sempre manteve relações de conflito), a situação prevalecente na Líbia, desde o início da insurreição, apelava a uma acção urgente das Nações Unidas, invocando a responsabilidade de proteger conforme definimos.

No entanto, podemos questionar-nos sobre os critérios que utiliza a comunidade internacional para seleccionar as populações que beneficiam da protecção internacional no quadro da responsabilidade de proteger. Pois, os Líbios não são o único povo que necessita de protecção contra os quatro crimes que permitem invocar a responsabilidade de proteger.

Porque não utilizar o mesmo princípio na Tchetchenia ou no Tibete? Será que alguns civis nesses países não são vítimas de genocídio, crimes de guerra, purificação étnica e crimes contra a humanidade? Podemos avançar três respostas para a primeira pergunta: 1- porque o Estado em causa dispõe de um arsenal militar que não permite sequer a hipótese de uma acção militar como a que está a decorrer na Líbia; 2- porque na qualidade de membro permanente do Conselho de Segurança, esses Estados obviamente vetariam qualquer decisão nesse sentido; 3- porque não há interesses estratégicos suficientemente fortes para que se corra o risco de uma guerra contra a Rússia ou contra a China.

A qualidade de membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, com direito de veto, pode permitir que estes membros utilizem o principal órgão mundial de segurança colectiva para servir os seus interesses ou violar as disposições da Carta das Nações Unidas sem incorrer em nenhuma sanção ou mesmo chamada de atenção, porque o actual sistema não o permite.

Podemos concluir que o actual sistema de segurança colectiva permite a legitimação da “lei do mais forte”, contrária ao princípio de igualdade soberana dos Estados membros. Enquanto prevalecer o sistema de veto com cada um dos cinco membros permanentes a conseguir singularmente contrariar a posição de 14 outros Estados no Conselho de Segurança e 191 Estados membros da ONU, a segurança colectiva dependerá dos interesses desses Estados. Em suma, uma das lições do “caso da Líbia” reside na necessidade urgente de se reformar o Conselho de Segurança das Nações Unidas, de forma a que deixe de ser o órgão de legitimação de políticas e interesses de um restrito grupo de Estados.

Podemos igualmente concluir pelo que precede que a voz da União Africana dificilmente se consegue impor na resolução de um conflito ou crise continental. Porque lhe faltam os meios e porque lhe falta a união necessária para evitar cacofonias. O caminho a percorrer para a verdadeira união continental ainda é longo e sinuoso… entretanto, talvez até lá Muammar al-Kadhafi deixe de ser o “Líder” da Líbia, porque assim o pretende “a lei do mais forte”!!


Aguinaldo Baptista